Os fertilizantes que usamos no Brasil são, em grande parte, importados da Rússia e de Belarus. Com isso, a invasão russa à Ucrânia trouxe preocupações a respeito do fornecimento do produto. A situação motivou o Governo Federal a lançar o PNF (Plano Nacional de Fertilizantes), que visa reduzir a dependência brasileira de importações do insumo. Para isso, ele dá atenção especial ao desenvolvimento de tecnologias adequadas ao ambiente tropical.
Como contamos no Boletim Agrivalle Markets 04, o plano traz oportunidades para bioinsumos e biomoléculas, remineralizadores, fertilizantes orgânicos e organominerais, entre outros. Além disso, deve trazer facilidades na política fiscal, linhas de financiamento, logística nacional etc.
Com novas possibilidades à vista, é importante saber dos fatos e impactos relacionados ao fornecimento destes produtos. O histórico da Agrivalle no desenvolvimento de bioinsumos permite que uma visão ampla do tema, que dividimos com você aqui.
DIAGNÓSTICO DA SITUAÇÃO ATUAL NO CENÁRIO DOS FERTILIZANTES: FATOS E IMPACTOS
ONDE ESTAMOS? ANÁLISE EXTERNA E INTERNA
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- DADOS DE MERCADO: a produção do agro brasileiro cresce, e a origem interna de produtos não. Do consumo estimado em 42 milhões de t, cerca de 33 milhões são importados (80%).
- ANDA: maiores consumidores mundiais são China, Índia e EUA. O Brasil é o quarto colocado, mas o maior importador de nitrogênio (N), fósforo (P) e potássio (K), com parcelas de importação de 94% em K, 55% em P e 76% em N das necessidades;
- Brasil consome 8% do fertilizante mundial. 25% das nossas compras se originam no Leste Europeu. O Brasil tem solos pobres em comparação a seus concorrentes;
- A Rússia tem cerca de 16% de market-share nas exportações de fertilizantes. É muito forte na produção de nitrogenados (segundo exportador) e fosfatados e potássicos (terceiro maior).
- PROBLEMAS DE OFERTA: unidades na Ucrânia parando de produzir (Odessa Port Plant, que fazia cerca de 1 milhão de t de amônia parou por falta de insumos) e outras na Europa devido aos preços do gás. Gás subiu mais de 50% na Europa, impactando as produções locais de fertilizantes, principalmente os nitrogenados e fosfatados. Energia subindo, fábricas podem diminuir produção.
- PROBLEMAS DE TRANSPORTE: dificuldades de operação no Mar Negro e no corredor logístico da Lituânia, que teria fechado com o embargo, dificultando as exportações de Belarus. Risco de greve na ferrovia do Canadá preocupa, o que prejudicaria o abastecimento de K e N. Preços dos fretes internacionais voltam a crescer, com a explosão do petróleo.
- PROBLEMAS DOS EMBARGOS E PAGAMENTOS: retirada da Rússia do sistema SWIFT dificulta o processo de trocas, mas existem alternativas (SPFS Russa e sistema da China).
- ESTOQUES NO BRASIL: seriam suficientes para três meses (níveis acima de anos passados – ANDA).
- Transporte de fertilizantes e entrada no Brasil, logísticas são complexas e muitas vezes operam no limite.
- Nitrato de amônio do Brasil: quase tudo vem da Rússia. Cloreto de Potássio também será problema. Empresas no Brasil sem ofertas e sem listas de preços.
- Preços explodem: importações em janeiro e fevereiro foram de 5,25 mi t (8,2% a menos) mas o custo foi de US$ 2,8 bilhões (130% acima). Antecipação de compras está menor em 2022 (cerca de 30%);
- Ficam em xeque as políticas “just in time” e de especialização na produção;
- IMPACTOS EM GRÃOS: Preços altos estimularão o plantio e o aumento de áreas, mas tem o stress de insumos. Observar plantio nos EUA.
- Continuidade da invasão e como serão as operações agrícolas na Ucrânia, afinal abril é início do plantio;
- Com embargos e dificuldades operacionais na Ucrânia, China pode vir buscar mais do Brasil;
- Graves impactos para a inflação no mercado interno, com custos de produção das rações explodindo e com isto prejudicando leite, carne, ovos e outros que dependem dos grãos.
- QUESTÕES DE INTERFERÊNCIA:
- Qual o tempo de duração da invasão, de sanções comerciais e seus impactos nas trocas globais?
- Petróleo a mais de USD 100/barril: quanto tempo dura e qual a reação da oferta?
ATOS… AÇÕES NECESSÁRIAS NO CENÁRIO DOS FERTILIZANTES
ESTRATÉGIAS DE CURTO, MÉDIO E LONGO PRAZO
- USO DE PRODUTOS ALTERNATIVOS: biológicos, biofertilizantes e outros receberão grande impulso; não só por todas as vantagens que já naturalmente apresentam, mas também agora por conta da escassez e altos custos dos insumos tradicionais. Mercado deve dar um boom!
- EFICIÊNCIA NO USO E APLICAÇÃO (TECNOLOGIA E EDUCAÇÃO): Embrapa lança caravana técnica (FertBrasil) para ajudar a economizar US$ 1 bilhão em fertilizantes, com objetivo de aumentar de 60% para 70% a eficiência na forma de usá-los. Fortalecer a prática de análise de solo, incentivar agricultura regenerativa, treinamento para produtores, cooperativas e associações. Outra frente é na busca de alternativas para reduzir em 25% as importações até 2030. São cinco dimensões: biofertilizantes (bactérias, fungos e outras alternativas), organominerais (combinação de fertilizante mineral com fontes orgânicas/esterco), fertilizantes nano estruturados (liberação mais lenta e controlada dos nutrientes), agricultura de precisão (redução de desperdícios, aplicar apenas onde precisa) e condicionadores de solo com pó de rocha.
- INVESTIMENTOS NO BRASIL: acelerar produção de fertilizantes potássicos em MG (São Gotardo) de 1,2 milhão de t/ano no 3° tri deste ano para 3 milhões de t/ano, entre outros.
- INVESTIMENTOS EM P&D: startups e nanotecnologia para mais adubação foliar entre outras tecnologias receberão grande impulso.
- PLANO ESTRATÉGICO: – baseado em alguns grandes pilares: aumento da capacidade interna (o plano do Governo é o de reduzir a dependência de quase 85% para cerca de 45% em 30 anos, divididos em quatro principais tipos: os nitrogenados, os de fósforo, os potássicos, e os chamados de “cadeias emergentes” onde entrariam os biológicos; analisar as capacidades em países vizinhos e diversificar os países fornecedores mundiais. Potássio tem grandes reservas na Amazônia. Projetos na área de logística, licenciamento ambiental, arquitetura de investimentos, estímulos tributários.
- PREÇOS INCENTIVARÃO O AUMENTO DA OFERTA NO MÉDIO PRAZO. Em isto acontecendo, a oferta deve passar a demanda e derrubar os preços.
- FORNECEDORES ALTERNATIVOS (OUTROS PARCEIROS COMERCIAIS): para a safra de verão serão necessários 10 milhões de t de KCl – cloreto de potássio. Destas 3 milhões viriam da Rússia. Alternativa é o Canadá. Canadá é o maior produtor mundial de potássio. O preço está no maior número em 13 anos, ao redor de USD 650/t. Irã também é alternativa.
- Tunísia investe via a estatal Gafsa Fosfato. Em 2021 produziu 3,8 milhões de t (fosforitos) deve chegar a 5 milhões em 2022 e 8 milhões em 2024. Argélia também investindo.
- COMPRAR DA RÚSSIA/BELARUS: Rússia e Belarus tem embargos, mas precisarão continuar vendendo, representando uma janela de oportunidades, caso se consiga tirar o produto de lá. Fertilizantes de Belarus podem sair por portos russos, via trens. Um porto próximo a Leningrado seria adaptado para movimentar fertilizantes bielorrussos. Originar na Rússia, portos que estejam funcionando. Fertilizantes são bens essenciais e as commodities estão com preços elevados e podemos ter questões de aumento da fome.
Marcos Fava Neves é Professor Titular (em tempo parcial) das Faculdades de Administração da USP em Ribeirão Preto e da EAESP/FGV em São Paulo, especialista em planejamento estratégico do agronegócio. Acompanhe outros materiais na página DoutorAgro.com.
Vinícius Cambaúva é associado na Markestrat Group, formado em Engenharia Agronômica pela FCAV/UNESP e aluno de mestrado na FEA/USP em Ribeirão Preto – SP.
Beatriz Papa Casagrande é consultora na Markestrat Group, graduada em Engenharia Agronômica pela ESALQ/USP e aluna de mestrado na FEA/USP em Ribeirão Preto – SP.